O que faz um bom conto?

Os contos são um gênero narrativo quase tão antigo quanto o ser humano. Eles remontam as conversas ao redor do fogo, quando os mais antigos transmitiam, por meio de histórias, os valores e tradições de seu povo.
No início, eram apenas narrativas orais. Muitos séculos depois, alguns escritores começaram a coletar essas histórias e colocá-las no papel. Estamos falando da cultura europeia, mas todos os povos tiveram em mais alta conta seus contadores de história.
Na África, por exemplo, os griots e as griottes são guardiães da palavra. São responsáveis por transmitir não só as histórias, mas também as tradições e conhecimentos de seus povos de geração em geração.

Contos de fadas

Na França, quem primeiro recolheu narrativas populares foi Charles Perrault, no século 17. Mais de cem anos depois, dois irmãos passaram a registrar as histórias do meio rural da Alemanha – que ainda não era Alemanha. Eram os irmãos Grimm.
Estes são os que conhecemos hoje como “contos de fadas”. Eles têm uma estrutura simples e fixa, ainda que tenham variado ao longo do tempo e em diferentes lugares. O conto de fadas não possui autoria. É popular. A passagem para os contos como os conhecemos hoje se dá quando alguns escritores e escritoras passam a criar histórias próprias.
O conto literário, portanto, é único. Não pode ser recontado sem perder sua singularidade. Sua autora ou autor imprime um estilo próprio de narrar, empregando todas as técnicas artísticas de que dispõe.

Edgar Allan Poe

Foi um dos primeiros escritores a refletir sobre o conto. Aliás, ele já vinha experimentando essa forma narrativa há algum tempo. Allan Poe dizia que a narrativa breve devia ser toda estruturada para que fosse lida de uma única assentada. Durante aquele período “a alma do leitor estaria sob controle do escritor”. Ele também afirmava que o enredo deveria estar todo voltado para o desfecho. Não à toa, o jovem escritor é considerado um dos mestres do suspense.

 

 

Anton Tchekhov

Outro grande contista, desta vez russo, afirmava, em cartas aos seus admiradores e discípulos, que o bom conto devia ter força, clareza e compactação. A respeito da primeira característica, ele dizia que o conto tinha que “prender o leitor” e impactá-lo. Em relação à segunda, ele explicava que o leitor deveria entender o que a autora queria dizer, precisava ver o que o escritor queria mostrar.
E, finalmente, a compactação dizia respeito à síntese. Tchekhov defendia que deviam ser evitados personagens, descrições, episódios e explicações em demasia. Esta premissa do russo foi sendo aperfeiçoada até os atuais minicontos e microcontos (veja nos nossos tópicos)

 

Julio Cortázar

Mas quem mais escreveu sobre os contos foi o argentino Julio Cortázar. Ele dizia que “no conto vai acontecer algo e esse algo será intenso”, reforçando a ideia de Allan Poe sobre a importância do desfecho.
Cortázar gostava de definir o conto por meio de comparações e metáforas. Escreveu, por exemplo, que o filme tinha uma estrutura romanesca, enquanto o conto bem sucedido lembrava uma fotografia. Assim como a foto é um fragmento da realidade, o conto seria um fragmento da vida.
A melhor definição, contudo, estava na comparação que Cortázar fazia com a luta de boxe. Afirmava que “no combate entre o texto apaixonante e seu leitor, o romance sempre ganhava por pontos, ao passo que o conto precisava ganhar por nocaute”. E foi além em sua metáfora: dizia que o bom contista era um boxeador astuto.

James Joyce

E para terminar este desfile de figuras ilustres, temos o irlandês James Joyce. Ele ressaltava que o conto tem a capacidade de realizar um corte no fluxo da vida, pois flagra um instante significativo. Essa capacidade do conto leva o leitor a uma espécie de “epifania profana”. Isto é, algo se revela à leitora, algo se desvenda.
O Brasil possui contistas maravilhosos, a começar pelo genial Machado de Assis. Mas a este clássico, podemos acrescentar o mordaz Lima Barreto, as maravilhosas Lygia Fagundes Telles e Clarice Lispector, o eficiente Rubem Fonseca, mestre do conto policial, o mineiro Luiz Vilela, o lírico João Carrascoza, a gigante Conceição Evaristo, o incisivo Marcelino Freire, e tantas outras e outros.

Alex Criado

 

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